09 setembro 2005

Malucos Beleza

de Glauco Lima



Raul Seixas pode ter pensado em tudo quando criou o clássico Maluco Beleza, uma das mais belas canções já feitas no Brasil, menos em publicitários, propaganda, comunicação de mercado e coisas do gênero. Se pensou, certamente foi para criticar a sociedade consumista e conformista em que vivemos. Mas poucos textos conseguem definir tão bem o que é ser criador de propaganda como os versos desta canção. Poucos conseguem comunicar com precisão tão feliz, essa técnica de achar formas comunicativas de transmitir informações que na maioria das vezes seriam tão áridas. Claro que estamos fazendo aqui uma apropriação indébita do sentido da música para colocá-la a serviço de tentar ensinar bem didaticamente o que é criar propaganda. Mas vamos analisar verso por verso, para ver como se adequa, para usar um termo bem publicitês, a obra-prima do Tio Raul ao nosso ofício de criativos.
Enquanto você se esforça pra ser, um sujeito normal e fazer tudo igual. Eu do meu lado, aprendendo a ser louco. Um maluco total, na loucura real. O profissional de criação é justamente o cara inconformado com a ordem estabelecida, com a forma normal e esperada de dizer as coisas. Cabe sempre ao criativo andar na contra-mão para tentar surpreender. É um aprendizado diário da loucura. Mas, como sabiamente frisa o poeta Seixas, trata-se de uma loucura real, totalmente vinculada com o mundo em que vivemos, com a conjuntura, com limites claramente estabelecidos, objetivos, metas. Esta colocada aí a grande contradição que vai inspirar e por vezes angustiar o criativo de propaganda. Um maluco total dentro da jaula da loucura real.
Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez. A maluquez do criativo deve ser ampla, geral e irrestrita, mas rigidamente controlada, sabiamente utilizada, numa racionalidade que as vezes espanta pela frieza. A maluquez do criativo é sua relação densa com a vida, sua sensibilidade, sua capacidade de ver tudo, olhar tudo com olho ampliado, conviver na arte, mergulhar na cultura, apaixonar-se por pessoas, por causas, por causos. Gostar dos clássicos da literatura, mas também dos clássicos do futebol, perceber a língua dos anjos, mas também dos teens, dos quarentões e dos aposentados. Não ter restrições aos estilos, aos gêneros, as procedências. É a maluquez sem a qual não se é publicitário. Mas para ser publicitário é preciso misturar tudo isso com a lucidez. Esse lúcido no nosso caso é o briefing, esse Deus todo-poderoso, que pode até ser questionado, ampliado, mas nunca abandonado. É a informação total sobre o problema que é colocado sobre nossa mesa. São as pesquisas, os levantamentos de dados, as ações dos concorrentes de nosso cliente, seus objetivos de mercado, seu público-alvo, sua verba, sua necessidade de acertar. Sendo assim e agindo assim o criador vai com certeza fazer propaganda beleza, campanhas beleza, comunicação beleza. E poder dizer, sem medo de errar, Vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza. Maluco beleza sim. Porra-louca jamais.
Na próxima estrofe, mais uma vez o poema de Raulzito coloca a contradição decisiva para o criador de propaganda. Este caminho que eu mesmo escolhi. É tão fácil seguir. por não ter onde ir. Quando o cara ou a cara colega decide ser criador de propaganda, o caminho está escolhido. É preciso assumir os riscos, dores, prazeres e dilemas deste caminho. Não há mais escolhas, não dá pra criar propaganda de outra forma que não seja misturando maluquez com lucidez. Propaganda não é arte, não é estalo, desvario, sacada, dom mediúnico, não é emprego pra gênio, superdotado, ou iluminado. Mas também não é informação fria, imparcial, jornalismo, relato, briefing publicado. É um terreno delicado entre negócio e arte. Nem tanto ao céu, nem tanto ao chão. É inteligência colocada a serviço de venda. O caminho é esse, a escolha está feita. Não há pra onde ir. E é um caminho fácil de seguir pois é uma rota aberta, ampla, inesgotável e alucinante, para quem a entende e não fica deprimido de estar colando sua bela cabeça a serviço de sabonotes, supermercados, farmácias, planos de saúde, cuecas e tantos outros itens. Mesmo porque a propaganda não admite artista frustrado, ela já é por si só uma atividade nobre, bonita, vital, que remunera bem, tanto material como emocionalmente, quem sabe faze-la bem. Todo dia, toda hora, sem relaxar, sem descuidar, Controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez, vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza, Eu vou ficar.....
Ser publicitário não tem o mesmo charme dos poetas, artistas, músicos e cantores como o genial Raul. É um trabalho de operário onde baixa o santo do artista, ou vice-versa. É a famosa transpiração que gera a inspiração. Leitura, aprendizado, ouvido aguçado, noites de boêmia, beijos roubados, conversas nos botequins do subúrbio e nos shoppings classe A/B, colocadas para trabalhar em busca da famosa idéia criativa, que vem do entendimento correto da estratégia, do mergulho no problema de mercado, no posicionamento, na abordagem, num trabalho de marketing que começa no produto, no seu preço, sua distribuição e culmina numa comunicação comprometida com tudo isso. Parece até coisa de maluco, colocar toda aquela poesia pessoal a serviço de interesses tão mercantis, institucionais, e conceituais. Mas é uma maluquice beleza, que só é possível aos que entendem o que é essa loucura real chamada propaganda.

Um comentário:

  1. adorei esse texto :D

    e lembro!

    depois de formados os publicitários... raul foi mais sábio, criando uma outra canção (claro q não se aplica a todos)

    a canção é: "muita estrela pra pouca constelação" heheheeh

    bjs!

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