Belém perdeu. Nós podemos ganhar.
Belém perdeu a disputa pela Copa de 2014. Mas não foi só Manaus que venceu. Ganhou a corrupção e a incompetência administrativa. Ganharam os conchavos e a política do “primeiro eu”. E a do “primeiro os meus”. Venceu o trânsito caótico e a desorganização quase cultural em todos os setores. Venceu o “ah... deixa pra amanhã”, a falta de orientação para o trabalho e a satisfação com pouco. Ganhou a mediocridade e a falta de perspectiva, que faz todos os anos centenas de jovens universitários e recém formados irem embora de Belém, disponibilizando seus cérebros para desenvolver outros estados, outros países. Ganhou a saúde desumana e a educação ineficiente. Ganharam os carros com som alto e a música ruim, travestida de manifestação popular, quando é apenas falta de acesso ou referência. Venceu a grosseria dos atendentes. A falta de “por favor” e “obrigado”. Venceram os carros parados no meio da rua, para que seus motoristas possam falar com seus amigos na calçada, esquecendo o direito dos que aguardam atrás deles. Belém perdeu. E em primeiro lugar ficou a violência, antiga conhecida dos bairros pobres e agora já na porta, entrando nas salas em “L” dos apartamentos ricos. Ganharam as ruas esburacadas, que enchem para delírio dos ratos. Venceu a falta de creches, o abandono da infância, a prostituição infantil. Venceu o trabalho escravo doméstico, sob a roupagem de adoção de meninas do interior. Ganhou a enorme diferença social, menor apenas que o tamanho das valas a céu aberto das favelas horizontais da cidade. Ganharam os políticos caricatos e espertalhões, vindos da velha política oligárquica que só ressoa ainda nos mais afastados rincões do Brasil e seus ramais. É, Belém perdeu. Mas tem perdido há muito tempo a vergonha e ganho apenas a naturalidade cínica da indiferença. Venceu o conformismo, o jeitinho “tudo bem”. Venceu a burguesia ignorante e suas crenças no direito divino de mandar e ser servida. Mas também venceram os aproveitadores disfarçados de povo, que usam a massa para obter os privilégios que nunca tiveram. Belém perdeu. E, sobretudo, ganhou a crença de que Belém é “do cacete”, que é uma ótima cidade para morar, com povo acolhedor e amigo, o “Portal da Amazônia”. Não é. É uma cidade violenta, cara, suja, desorganizada, com alto nível de falta de educação, com poucas e mal remuneradas oportunidades de emprego e onde quem não tem um plano de saúde está perdido. Uma cidade que vive muito mais de passado que de história, ébria ainda por áureos tempos da borracha que deram às elites daqui uma patética certeza de nobreza, quando, na verdade, não passa de uma oligarquia ostentadora e interiorana. Belém perdeu. E o que vai acontecer, com toda certeza, é ficarmos mais uma vez cheios do orgulho que tiramos não sei de onde e dizer aos 4 ventos que foi por causa de uma politicagem de “não sei quem”. A típica atitude de perdedor. A forma fácil que temos de enfrentar os problemas. Belém perdeu. Porém, podemos ganhar muito com essa experiência, olhando, pela primeira vez, além do pato no tucupi, do açaí e do tacacá. Temos que perceber agora, não depois, a rota descendente em que se encontra a capital e o estado como um todo. A cidade do abandono, o estado da violência rural e do desmatamento. Temos que votar melhor, pensar mais no coletivo e não no individual. Ler mais, educar mais, trabalhar mais, reclamar mais. Chega dessa postura de rechaçar críticas por pura vaidade em nome de uma história longínqua. E cada vez mais distante, pois a história é escrita pelos vencedores. Vamos mudar Belém e o Pará começando por nossas atitudes, entendendo o direito do outro como tão importante quanto o nosso, valorizando a educação e o saber como principal patrimônio e legado. Chega de ser uma ilha, quando cada cidade hoje é global. A raiz de tudo isso, de todos os problemas, somos nós. Nós é que precisamos mudar como povo. Em 2014 não vamos sediar a Copa. Mas, com certeza, como principal cidade de uma das regiões mais importantes do Planeta, poderemos começar a ganhar o mundo.
Edgar Cardoso.
Sério e verdadeiro, o texto. Faço minhas as suas palavras.
ResponderExcluirEdgar, você é O CARA.
ResponderExcluirEscrevi um desabafo e mandei pra um dos mais de 300 comentários o Diário do Pará. Sei lá porque, mas não publicaram rsrs. Então aproveitando o espaço, taí o bixo:
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Não levamos 2014... culpa da 14... O Pronto Socorro.
Não sei se comento o que muita gente não gostaria de ouvir hoje. Se for por ignorância, talvez de um lado, pode ser por ciência empírica do outro: AINDA BEM QUE NÃO ESCOLHERAM BELÉM. Dinheiro na cidade todo mundo quer, leva o seu, também, obrigado, mas enquanto esse povo não aprender a votar direito e tiver um pouco mais de cultura, ocupação, amor pela cidade e pelos outros, ACHO MUITO BEM FEITO que Belém acabe junto com esta derrota de carregar também o falso título de "Metrópole da Amazônia".
Pará, Terra sem Direitos, sem Mangueiras, sem futebol, sem Governo, sem Prefeitura, sem trânsito, sem Escola, sem segurança, sem Hotel, sem Turismo, sem atendimento de qualidade, SEM SAÚDE... sem dignidade, sem-vergonha.
Parabéns Ana Júlia, Parabéns Dudu por não fazer NADA e assim evitar o Pior ao mostrar o quanto nossa cultura é fraca, o quanto o povo é porco, o quanto nossos políticos são omissos e o quanto nosso Pará morreu no Pronto Socorro da 14, num leito de hospital, num corredor ou numa pia de banheiro. Obrigado por esconder isto do resto do mundo e eu, não morrer de vergonha.
E não confundam amigos paraenses: Manaus não é Argentina. Não é nosso rival. Perdemos por nós mesmos.
Até mais 2014, até mais 14. No outro século teremos mais uma chance.
Até lá.
Yuji Iamanouth
Edgar você conseguiu tranduzir todo o meu sentimento de frustração e decepção.... acho que não só o meu como de muita gente aí fora... não tenho o que mais acrescentar, somente dizer obrigada por representar a nossa voz, pelo desabafo sincero e verdadeiro.
ResponderExcluirValeu, gente. Achei, de verdade, que só eu pensava assim. E já há mais 3 pessoas! Rs. Só gostaria de acrescentar para o Yuji, que concordo com ele com relação a nossos políticos, mas meu objetivo com o texto é tocar numa questão ainda maior que essa: nossa forma de ser. Logo depois de sair o resultado da questão da Copa, ouvi um paraense revoltado com a notícia dizer "foi uma sacanagem o que fizeram com Belém". Isso retrata bem nossa forma de pensar "o que fizeram". Ou seja, alguém fez, não fomos nós, não é nossa culpa. Somos sempre os injustiçados. Ou como li hoje numa resposta por e-mail em forma de piada "quem é de fora acha que Manaus é que fica na Amazônia por ficar no estado do Amazonas" (as palavras não foram exatamente essas, mas o sentido era esse). Acho que isso seria tirar por muito pouco a inteligência de um comitê internacional. Fora que o foco do texto não é a Copa. Esse foi só o gancho para colocar algumas coisas, que acho que precisam ser ditas. Valeu pela força dos que gostaram do texto. Há uma esperança.
ResponderExcluirÉ Edgar, também concordo com você em todos os pontos do seu texto (dos 2 textos). É como disse minha amiga Andressa: "você conseguiu tranduzir todo o meu sentimento de frustração e decepção".
ResponderExcluirRealmente a maior culpa não é deles e sim minha, em primeiríssimo lugar - e não é ironia, é sinceridade pura.
TEMOS QUE DEIXAR DE SER PARAENSES PARA VIVER NUM PARÁ DIGNO. Acho que esse é o resumo de todo o seu pensamento Edgar. Claro, não no sentido de ir embora para outros lugares como você citou esta realidade, mas no sentido de deixarmos de lado esta cultura sem cultura e fazermos tudo novo, começando do zero.
Eu tento, faço a minha parte. Eu sou o careta que guarda papel de bombom no bolso em pleno ver-o-peso e vejo o cara jogar um copo descartável; No trânsito, dou preferência pro pedestre, pro carro na transversal e até pisca eu ligo quando faço a curva (aff) e vejo o taxista buzinar pra passar no vermelho; dou bom-dia pra um estranho no elevador e sou correspondido com uma cara cisuda; atendo o cliente que quer um cartão de visitas como se fosse minha melhor conta e ele não me paga (rsrs); aguardo PACIENTEMENTE (contando até 10) e espero TODOS os idiotas entrarem no elevedor do shopping enquanto eu só quero sair; Tento compreender o péssimo dia (ou ano) do atendente daquela loja famosa... ai melhor eu parar por aqui senão vou ganhar outro livro da Lorena (Valeu Lorenaaa).
Cara, temos que respirar fundo.
Mas você é O CARA, ahh é sim!
Yuji
Edgar.
ResponderExcluirVc fez a melhor radiografia de nossa terra. Infelizmente, tudo isso é o que passamos. Mjuito lucido! Parabéns.
Leia tmb o desabafo em http://opiniaonaosediscute.blogspot.com/
Bravo!!!
ResponderExcluirBelém não teve estrutura física e organizacional para sediar o Fórum Social Mundial, imagina uma Copa!
"Quem foi que disse que Deus é brasileiro,
Que existe ordem e progresso,
Enquanto a zona corre solta no congresso?
Quem foi que disse que a justiça tarda mas não falha?
Que se eu não for um bom menino, Deus vai castigar!
Os dias passam lentos
Aos meses seguem os aumentos
Cada dia eu levo um tiro
Que sai pela culatra
Eu não sou ministro, eu não sou magnata
Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
Aqui embaixo, as leis são diferentes
Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém
Aqui embaixo, as leis são diferentes
Quem foi que disse que os homens nascem iguais?
Quem foi que disse que dinheiro não traz felicidade
Se tudo aqui acaba em samba?
(no país da corda bamba, querem me derrubar!)"
Perfeição
Legião Urbana
Composição: Renato Russo
Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...
Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação...
Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião...
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade...
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta
De hospitais...
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E seqüestros...
Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã...
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração...
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão...
Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...
Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!...