16 dezembro 2005

Todos soltos


O repórter paraense Ronaldo Brasiliense, de O Liberal, foi premiado pela Associação Brasileira de Magistrados pela reportagem “Todos ricos, todos soltos”, sobre a roubalheira na Sudam, a Superintendência da Amazônia.

Fonte: claudiohumberto.com.br

A reportagem premiada

Escândalo da Sudam: Todos ricos, todos soltos!
Ronaldo Brasiliense

Três anos depois de oferecer denúncia à Justiça contra mais de 40 políticos, empresários e funcionários públicos acusados de ter surrupiado mais de R$ 1,2 bilhão dos cofres da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), sete procuradores da República com atuação na Amazônia Legal, nos estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Tocantins confessam-se decepcionados. Todos os indiciados nos onze inquéritos instaurados e nas ações civis públicas estão ricos. E soltos. Os principais chefes do esquema de corrupção, livres das algemas, prosperaram em suas atividades.

Depois de ouvirem centenas de testemunhas e acumularem quase meia tonelada de documentos comprovando as fraudes na autarquia que geria a política de incentivos fiscais na Amazônia, procuradores, delegados e agentes da Polícia Federal envolvidos na apuração da roubalheira chegaram à triste constatação é a de que nenhum real sequer, do total bilionário de recursos roubados da Sudam, retornou ao tesouro nacional. De novo, mesmo, só o prédio-sede da antiga Sudam – hoje abrigando a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) -, localizado na avenida Almirante Barroso, em Belém do Pará, que foi inteiramente pintado.

Apontado pelo juiz federal Alderico Rocha Santos, da 2ª Vara federal do Tocantins, que decretou sua prisão preventiva, como “chefe da quadrilha” de saqueou a Sudam, Jader Barbalho - ex-governador do Pará, ex-presidente do Congresso Nacional, e hoje deputado federal pelo PMDB do Pará - integra a base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso Nacional, participando ativamente do governo, inclusive com a nomeação de diretores do Banco da Amazônia e da Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil).

Há duas semanas, Barbalho foi um dos principais articuladores da candidatura do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) à presidência da Câmara dos Deputados, promovendo almoços e jantares em sua mansão na capital. Deu do que deu: a acachapante derrota do candidato petista para Severino Cavalcante (PP-PE).
Sem mandato, após renunciar à presidência do Senado para não ser cassado, Jader Barbalho, através de seu advogado de defesa, ainda tentou em 2002 obter fórum privilegiado envolvendo nas fraudes da Sudam seu primo, o deputado federal José Priante (PMDB), que até recentemente presidiu a poderosa Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. Foi a fórmula encontrada para tentar levar, à época, os inquéritos que apuram o esquema de corrupção na Sudam para a alçada do Supremo Tribunal Federal (STF), foro competente para processar parlamentares federais.

“O requerido Jader Fontenelle Barbalho, via advogado, apresentou neste Juízo pedido de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, ante os indícios da participação nos supostos fatos delitivos do deputado federal José Priante”, revelou o juiz Alderico Rocha Santos, da 2ª Vara Federal do Tocantins, que indeferiu o pedido de Jader. A participação de Priante nas fraudes da Sudam continua sendo investigada pelo Ministério Público. Outro amigo de Barbalho que se deu bem foi o ex-superintendente da Sudam, Arthur Tourinho, colega de ginásio de Jader. Tourinho, presidente do Paysandu, clube de grande torcida no Pará, elegeu-se deputado estadual em 2002 e também ganhou foro privilegiado na ação que o Ministério Público Federal move contra ele. Acaba de ser indicado líder do PMDB na Assembléia Legislativa. Segundo Processo Administrativo Disciplinar instaurado pelo Ministério da Integração Nacional, no governo Fernando Henrique Cardoso, para apurar irregularidades cometidas por Tourinho no cargo de superintendente da Sudam, para onde foi por indicação do amigo Jader Barbalho, ele, Tourinho, teria interferido, como chefe da autarquia, para beneficiar sua própria empresa, a CTI Amazônia, com pedidos de prioridade em todas as etapas que antecediam liberações de recursos, tramitação irregular de processos, complacência com irregularidades na prestação de contas, oposição a pareceres técnicos e, pior ainda, o sumiço de documentos, dentre eles o parecer técnico contra pleito que interessava à CTI Amazônia, além de ter liberado recursos públicos para sua empresa antes mesmo das assinaturas dos termos aditivos.

O parecer do Ministério da Integração Nacional, assinado pelo então consultor jurídico Rogério Antonio Freitas de Noronha, opinou pela conversão em exoneração da destituição, a pedido, do cargo em comissão que Arthur Tourinho ocupava, salientando que a Comissão de Sindicância comprovou que foram feitos depósitos bancários pelo mega-fraudador da Sudam, José Osmar Borges, na conta de Tourinho, que teria, numa espécie de contra-partida, favorecido os projetos de Osmar Borges na autarquia, além de ter assegurado outras liberações irregulares para empresárias beneficiadas com os fartos recursos do Finam. “Os documentos apreendidos na residência de Arthur Tourinho em Belém do Pará são indicativos de que o mesmo estaria prestando contas ao também requerido Jader Barbalho dos projetos de 26 empresas que apresentaram (a Sudam) documentos falsificados”, acusam os procuradores.
Quem está muito bem, também, é o empresário goiano José Osmar Borges, apontado pelo procurador da República no Mato Grosso, Pedro Taques, como o maior fraudador individual da Sudam. Borges teria desviado R$ 130 milhões de incentivos fiscais do Finam em projetos aprovados graças ao apoio de Jader Barbalho. O Ministério Público descobriu mais de 240 ligações telefônicas entre Jader e Borges entre os anos de 1997 e 2001, embora Jader tenha declarado no Senado, antes de renunciar ao mandato após uma histórica briga com o também senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) que, desde 1986, tinha tido apenas contatos esporádicos com Borges. Com o cruzamento dos números de telefones levantados na quebra do sigilo, foram encontradas também 40 ligações de Borges para Maria Auxiliadora Barra Martins, proprietária da empresa de consultoria AME, que intermediou 168 projetos que receberam recursos da Sudam. Em sua maioria, os projetos eram fraudados e nunca foram implantados, apesar de liberações milionárias de recursos. Maria Auxiliadora, que chegou a comprar dois aviões para facilitar seus deslocamentos para os municípios onde prestava consultoria para a aprovação de projetos na autarquia, foi quem elaborou o projeto do ranário Touro Gigante, da segunda mulher de Jader, Márcia Centeno, também beneficiado com incentivos fiscais.
Três componentes foram imprescindíveis, na avaliação dos procuradores da República envolvidos na apuração das fraudes, para que a organização criminosa tivesse sucesso: o primeiro, a montagem de uma sustentação técnica eficiente que pudesse funcionar como uma espécie de escritório geral onde fosse produzida toda a documentação necessária à fraude e fosse dado o suporte técnico, contábil e jurídico aos projetos fraudados. O segundo, a controle da administração da Sudam por parte de servidores estrategicamente colocados em postos de decisão na autarquia, com poder para facilitar as operações e escamotear as fraudes. Em terceiro, uma base política e empresarial que sustentasse a organização.

“CONSULTORIA” – Dois escritórios de “consultoria” especializados em projetos para captar recursos do Finam foram montados. O primeiro, pertencente a uma ex-servidora graduada da Sudam, a contadora Maria Auxiliadora Barra Martins, que fundou a AME – Assessoria, Projeto e Contabilidade Ltda; o segundo, Geraldo Pinto da Silva e Cia Ltda, dirigido pelo próprio Geraldo. Só o escritório da AME foi responsável por 40% de todos os projetos que obtiveram êxito na Sudam, trabalhando com aproximadamente 40% de todos os recursos postos à disposição dos projetos aprovados ela Sudam no estado do Pará, movimentando um total de R$ 160,4 milhões. Maria Auxiliadora Barra, segundo os levantamentos da Polícia Federal, recebeu mais de R$ 6 milhões em propinas dos empresários que tiveram projetos fraudulentos aprovados pela Sudam.

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