Em março deste ano, por vontade nossa, força do destino e um gentil empurrãozinho do Marcello Serpa, eu e o Cesinha (César Finamori) começamos a trabalhar na BBDO/NY.
Tirando o frio, a chegada foi boa. Ganhamos até uma sala com janela e plaquinha com nome na porta. O pessoal é boa gente e os jobs, apesar de bem disputados, muito bacanas.
É verdade aquela velha história de que aqui as pessoas não perdem tempo com almoço e que pouca gente trabalha depois das 6. E é mentira que os jobs (que aqui se chamam "assignments") têm seis meses de prazo. Em média, tem uma semana.
Depois de alguns tiros na água, conseguimos aprovar um roteiro para Mountain Dew (um refrigerante) e fomos filmar na China, com os caras da Traktor.
Como o filme foi exibido pelo site do CCSP, há alguns dias (para ver, clique aqui), algumas pessoas me pediram para contar a experiência. Então lá vai.
Assim, que o cliente aprova o roteiro, um produtor de RTV é escolhido para trabalhar com a dupla de criação no projeto (na BBDO/NY, são 60 duplas de criação e 30 produtores senior).
Esse produtor traz uma pilha de DVDs com os rolos dos diretores recomendados por ele e pelo diretor de criação. Dei uma olhada rápida nos nomes que estavam na capa dos DVDs e não acreditei: Fredrik Bond, Noam Murro, Traktor, Brian Buckley e todos aqueles que a gente vê todo dia quando abre o Adcritic, de manhã.
Passamos uma manhã olhando um portfólio melhor do que o outro. No final, acabamos mandando o roteiro para o Fredrik Bond, para o Daniel Kleinman (o que fez o "noitulovE" de Guinness) e para os caras da Traktor.
Todos fizeram conferências por telefone com a gente e mandaram "treatments" – um texto longo explicando como eles viam o filme. Os tratamentos eram bem parecidos, mais ou menos como o filme ficou no final. Por preferência do nosso diretor de criação, os caras da Traktor acabaram levando o projeto.
Para quem não sabe, a Traktor foi fundada há uns 15 anos por seis amigos recém-saídos de uma faculdade de comunicação na Suécia. Um deles ficou com a parte executiva e os outros começaram a dirigir. Desde o início, a filosofia deles era a seguinte: não importa de quem é o filme, quem assina é a Traktor. Quando chega um roteiro que interessa, todo mundo dá palpite, alguém assume o projeto e a grana é dividida. Fizeram sucesso muito rápido. Acabaram ganhando um Grand Prix em Cannes com uma campanha para a Diesel, invadiram os EUA e logo ganharam outro Grand Prix com a campanha da Fox Sports (a dos esportes regionais).
Bom, a partir da aprovação do orçamento, o filme tinha que estar pronto em um mês. Como a história se passava em um monastério, começamos a receber fotos de monastérios de tudo quanto é lugar do mundo. Quem assinava os emails eram Sam Larsson e Pontus Lowenhielm (os dois Traktor que assumiram o nosso filme).
Preferimos os monastérios da China e o Sam embarcou para lá dez dias antes do início da filmagem. Começamos a receber os primeiros estudos de shooting-board já baseados nas locações da China. Ao mesmo tempo, o Pontus começou a conduzir o casting lá de Los Angeles (onde fica o quartel-general da Traktor, hoje em dia). O casting foi feito com três empresas diferentes: uma de Los Angeles, outra de Nova York e outra da Austrália.
Recebemos os links com os testes por email (uns 30 caras de cada produtora) e selecionamos uns 20, no total. Daí vem o chamado callback. É um novo teste feito pelo próprio diretor com os atores finalistas. Com um detalhe: a agência assiste os testes ao vivo, por videoconferência. O Pontus dirigia os testes em Los Angeles, a gente opinava de Nova York e o Sam dava os palpites direto da China. Em um callback, basicamente, o diretor experimenta tudo que ele quer com cada ator e pergunta se você quer tentar mais alguma coisa. O processo todo de casting toma uns três dias inteiros de trabalho. Escolhemos, agência e Traktor, três atores finalistas e todos concordaram sobre quem seria a melhor opção para o filme. O cliente recebeu as opções e acabou aprovando o favorito.
Chegamos à China três dias antes de começar a filmagem.As locações ficavam a 7 horas de ônibus de Beijing, na área rural do país. Passamos dois dias só fazendo "scouting", que é percorrer cada locação com os diretores e o diretor de fotografia para discutir planos e planejar a filmagem. Nosso diretor de fotografia, que aqui é escolhido pela agência, foi o Bojan Bazelli – um iugoslavo com 26 longas nas costas ( o último foi o "Mr. & Mrs. Smith").
Primeiro dia de filmagem. Às 4:30h da manhã, entrei no restaurante junto com o Sam e o Pontus para tomar café. Ainda meio zonzo de sono, peguei uma xícara de café, um pão com manteiga e me sentei para comer sossegado. Do meu lado, Sam e Pontus agarraram duas garrafas de suco e alguns sanduiches e saíram correndo para o ônibus. Tive que terminar de comer o meu pão no caminho.
Para mim, esse foi o detalhe mais importante de toda a filmagem.Dois caras consagrados, com dois Grand Prix nas costas, correndo de madrugada como se fosse o primeiro filme deles. E foi assim 13 horas por dia, durante os quatro dias de filmagem. Eles tentam tudo, experimentam idéias que aparecem na hora, ouvem a agência, filmam debaixo de chuva ou com febre e dor de barriga (mais de 50% da nossa equipe foi vítima da comida chinesa). Fazem o que for preciso para o filme ficar bom.
O set de filmagem era surreal: eu e o Cesinha falávamos em português. A gente falava em inglês com o atendimento da produtora, que é sueco. Ele falava em sueco com os diretores. Os diretores falavam em inglês com o assistente de direção chinês. E ele falava em chinês com a equipe. Isso quando o diretor de fotografia não resmungava nada em iugoslavo.
Na maior parte das cenas, eles filmaram com uma câmera. Nas cenas com muitos extras, filmaram com três. Em alguns momentos trabalharam com duas unidades independentes para aproveitar a luz ideal em cenas diferentes.
Fora a aula de cinema, a viagem valeu pelo convívio com os chineses da equipe de produção. Comíamos sempre mal, mas as histórias eram sempre boas. Um coordenador de produção chinês nos contou como ele comeu cérebro de macaco vivo quando tinha 20 anos (é aquela cena do "Faces da Morte"). Falou também do funeral de monges que ele assistiu no topo de uma montanha no Tibet, onde eles jogam o corpo para os urubus. Foram várias histórias que deixavam a comida ainda mais difícil de engolir.
Na volta da China, os caras da Traktor passaram dois dias com o editor lá em Los Angeles para fazer o primeiro corte do filme.Quem escolhe o editor é o diretor de criação da agência. E aqui o editor tem muito poder. Ele é praticamente o diretor do filme depois que o negativo é revelado.
A primeira versão, que a gente recebeu pela internet, tinha 3 minutos. Era um esboço da estrutura do filme, montado em cima de uma trilha de referência. Aqui a trilha é pesquisada por um produtor musical que trabalha na agência. A gente escolhe uma ou duas referências e o editor trabalha em cima delas. Só mais tarde é que é escolhida a produtora de áudio que vai fazer a versão final da música.
Depois de mandar o primeiro corte, o editor veio para Nova York e continuou trabalhando no filme, agora longe dos diretores. A cada nova versão que ele colocava na internet, nós e os caras da Traktor mandávamos observações e sugestões. Foram 27 versões até a gente chegar na final.
A trilha começou a ser produzida. Enquanto isso, nós passamos um dia em uma finalizadora avaliando as cores de cada cena do filme. Trilha pronta, fomos com o produtor da agência até a empresa responsável pela mixagem. Passamos um dia inteiro só escolhendo o timbre dos tapas e avaliando o volume de cada instrumento que faz parte da trilha. Detalhe: o editor também estava lá.
Quando a gente pensou que o processo tinha acabado, nos expulsaram da agência por mais um dia, agora para acompanhar os efeitos (velocidade dos tapas, aplicação de fundo e letreiros).
Finalmente o filme foi apresentado. Tivemos que mudar muito pouca coisa e as cópias foram entregues.
No total, ficamos quase um mês fora da agência, só acompanhando a produção do filme.
Quando eu conto todos esses detalhes, muita gente fica impressionada com o tamanho da produção. No começo, eu também fiquei. Parece até que, com toda essa estrutura e prazo, fazer um filme bacana é moleza. Mas quando eu vi aqueles dois suecos correndo para o ônibus às quatro e meia da manhã com os sanduiches e o suco na mão, ficou claro que não é bem assim.
* Dulcídio Caldeira - Redator - BBDO/NY
Enviado por Beto Silva, redator da Galvão Propaganda.
Muito interessante a experiência.
ResponderExcluirIgualzinho a Belém. Impressionante, não muda nada.
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