11 setembro 2006

Políticos queimam o filme na TV


Matéria publicada na Folha de São Paulo, sobre a eficácio do horário eleitoral e as sugestões para mudança do mesmo.
Enviada pra nós por Fernando Nascimento, diretor da TV Liberal.
Muito boa!

Políticos queimam o filme na TV

Especialistas em cinema criticam a linguagem da propaganda eleitoral, que afastou o telespectador

A falta de credibilidade dos candidatos, a pasteurização dos programas e o traço conservador da narrativa são apontados como falhas

SILVANA ARANTES DA REPORTAGEM LOCAL
A propaganda eleitoral é um filme que não deu certo. Boa parte do público saiu da sala. Dos que ficaram, poucos se deixaram seduzir pela trama.
É o que revelam dados do Instituto Datafolha e do Ibope, publicados pela Folha. Apenas 6% dos eleitores mudaram de idéia em relação ao voto depois de assistir à propaganda eleitoral na TV, exibida diariamente desde o dia 15 de agosto, em dois horários (13h e 20h30).
A audiência da "sessão" vespertina caiu 33% na Grande São Paulo, nas duas primeiras semanas de exibição, e o número de televisores ligados no horário despencou: 31% para 18%.
A Folha ouviu cineastas, roteiristas, distribuidores (estrategistas de lançamento de filmes) e um autor de trilha sonora, para saber o que há de errado com um produto audiovisual que a TV exibe de graça, em horário nobre, com fracasso de público e de crítica.Na opinião de Fernando Meirelles ("Cidade de Deus") "não há linguagem cinematográfica ou direção que salve. Quem cai naquele caldeirão é inexoravelmente cozido", avalia o mais bem-sucedido cineasta brasileiro.

Efeito Kuleshov

"O maior problema para os candidatos é o "efeito Kuleshov'", diz Meirelles, citando o experimento de montagem conduzido pelo cineasta russo Lev Kuleshov (1899-1970).
"Kuleshov pegou um fotograma de uma mulher com uma expressão neutra e montou-o entre duas imagens de um enterro.
Ao projetar o resultado, a mulher parecia estar chorando. Depois, usou a mesma imagem da mulher entre duas imagens de um prato de sopa.
O resultado é que ela parecia estar com muita fome. Conclusão: as imagens se alteram de acordo com o contexto em que estão inseridas, o "efeito Kuleshov'", conta Meirelles.
Aplicado à propaganda eleitoral brasileira, o "efeito Kuleshov" faz um estrago na imagem dos candidatos bem-intencionados, na opinião do diretor."Imagine um candidato honesto que, por azar, entra no ar depois do Fleury, dizendo que vai trabalhar pela nossa segurança, e antes do Peroba. Não há credibilidade que resista."
Para o diretor Rudi Lagemann ("Anjos do Sol"), existe outro problema insolúvel: o ritmo do programa. Pela divisão de tempo, há "o grupo que se reveza em ínfimos segundos e o que se esbalda no paraíso dos longos minutos".
No Rio de Janeiro, onde mora, Lagemann contou o desfile de 150 candidatos em 20 minutos pela tela da TV. "Daria uma média de um candidato a cada oito segundos, ok? Não. Há candidatos que aparecem por dois segundos e outros que dispõem de 30 segundos", diz.
Entre uns e outros, vem o grupo dos "nove segundos", do qual Lagemann pinçou slogans como: "Seu amigo até debaixo d'água" (Peixinho, PTB);
"Bandidos e corruptos: estou chegando!" (Marcos Lopes, PAN);
"Não sou melhor que os outros, sou diferente. Sou igual a vocês!" (Jader Ribeiro, PFL).
Conclusão do diretor: "Não há roteirista no mundo que consiga resolver o ritmo desta tragicomédia de quinta categoria".
Lagemann, assim como Meirelles, votará em Cristovam Buarque (PDT), por julgar que a educação deve ser a prioridade do Brasil.
Para o roteirista Di Moretti ("Cabra Cega"), "a estrutura narrativa absolutamente conservadora, sem ousadia, monótona e monocórdica dos programas" é o que afasta a atenção do espectador. Dispensando as opções à Presidência da República, Moretti decidiu pelo voto nulo no dia 1º/10.
David França Mendes ("No Caminho das Nuvens"), autor e professor de roteiros, avalia que "nenhum dos programas utiliza sequer os recursos mais banais da dramaturgia para provocar a curiosidade do espectador" e todos se aproximam das características do "filme chato, aquele que começa a dizer coisas que você não perguntou". França Mendes ainda não decidiu em quem votar.
Na categoria "trilha sonora", ou melhor, jingles, a propaganda eleitoral tende a ser "simples e óbvia, conservadora e retrógrada", na avaliação do músico Dado Villa-Lobos, recém-premiado com o Kikito no Festival de Gramado, pela trilha do documentário "Pro Dia Nascer Feliz", de João Jardim.
Um exemplo do conservadorismo, segundo Villa-Lobos, é o fato de as campanhas utilizarem o ritmo do forró como se ele fosse a síntese do Brasil. "Isso é tratar o eleitor como débil mental", diz o músico, que anulará o voto a presidente.

Lula faz trailer

Habituados a coordenar campanhas milionárias de estréias nos cinemas, os executivos Rodrigo Saturnino Braga (Columbia Pictures) e Jorge Peregrino (Universal Pictures) analisam a propaganda eleitoral na TV como peça de "lançamento dos candidatos".
"Lula é o melhor lançamento", diz Peregrino, porque "ele fez um trailer". E, num trailer, "você só mostra as coisas boas. O mau ator, a seqüência mais complicada, tudo que possa indicar um filme ruim pela frente o trailer não mostra", diz o distribuidor, para quem "está difícil" escolher um candidato.
Para Saturnino, a nova campanha de Lula é comparável ao lançamento de um blockbuster: "Todo mundo corre para ver. Não é preciso fazer muito esforço, porque a liderança está garantida". Para passar à dianteira, Geraldo Alckmin (PSDB) precisaria de "uma campanha mais agressiva", na opinião do executivo. Como está, Alckmin é "um filme classe A, para público adulto, com 30 anos ou mais. Um romance, estilo "classicão", que vai bem no Itaim e no Leblon, mas que não pega na área popular".
O vice-líder, no entanto, tem o voto de Saturnino. "Fui correndo ver o primeiro blockbuster e não me encantei. Agora estou com o pé atrás", diz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Lembre-se que esse blog não é um ringue de boxe ou um octágono para que rolem as porradas.